A culpa da minha obsessão com embalagens não é da minha tendência de
acumular coisas. A culpa é da perfeição delas. Ontem, a minha mãe - que
tem uma sinusite quase mundialmente célebre e é assim The Lord of the Tissues,
porque à palavra lady falta carácter épico - deu-me um pacote de
lenços que tem um esquilo com balões estampado. O cheiro a laranja eu
ainda consigo suportar, mas que pessoas pérfidas, de mentes distorcidas,
são estas que acham que eu me devo sentir feliz por me assoar a um
desenho de um animal fofo? Porquê embonecar as coisas que são para pôr
no lixo? Serei a única pessoa a achar que este tipo de comportamento,
este destruir as coisas bonitas sem pena, tem traços de loucura?
Todas
as coisas dispensáveis, descartáveis, produzidas em massa, são tão
absolutamente perfeitas. Fui a uma fábrica de plásticos numa visita de
estudo e as embalagens, aquelas embalagens que ignoramos todos os dias,
são tão bem feitas, tão desprovidas de falhas. E as embalagens de
cereais estão tão bem impressas. E os bonecos que eles fazem para nos
vender as coisas são tão bem desenhados. Que não importa quão comum e
vulgar tudo aquilo seja, eu não consigo ultrapassar a perfeição, não quando tudo o que eu faço é tão desajeitado, não quando tanta coisa que eu compro me falha.
terça-feira, 20 de julho de 2010
segunda-feira, 31 de maio de 2010
O Buraco da Agulha
Por uma hora ficaram os dois sentados, sem falar, Apenas uma vez Baltasar se levantou para pôr alguma lenha na fogueira que esmorecia, e uma vez Blimunda espevitou o morrão da candeia que estava comendo a luz e então, sendo tanta a claridade, pôde Sete-Sóis dizer, Por que foi que perguntaste o meu nome, e Blimunda respondeu, Porque a minha mãe o quis saber e queria que eu o soubesse, Como sabes, se com ela não pudesete falar, Sei que sei, não sei como sei, não faças perguntas a que não posso responder, faze como fizeste, vieste e não perguntaste porquê, E agora, Se não tens onde viver melhor, fica aqui, Hei-de ir para Mafra, tenho lá família, Mulher, Pais e uma irmã, Fica, enquanto não fores, será sempre tempo de partires, Por que queres tu que eu fique, Porque é preciso, Não é razão que me convença, Se não quiseres ficar, vai-te embora, não te posso obrigar, Não tenho forças que me levem daqui, deitaste-me um encanto, Não deitei tal, não disse uma palavra, não te toquei, Olhaste-me por dentro, Juro que nunca te olharei por dentro, Juras que não o farás e já o fizeste, Não sabes de que estás a falar, não te olhei por dentro, Se eu ficar, onde durmo, Comigo.
Memorial do Convento, José Saramago
sábado, 8 de maio de 2010
«Gérard de Nerval, o romântico hipersensível e alucinado que viveu, como
disse o seu amigo de sempre Théophile Gauthier, tão intensamente na
fantasia que a realização dela nada lhe traria de novo (...)»
Isto está escrito na contracapa de um volume de umas colecções de contos obscuras (Ficções) e é das coisas mais bonitas que li recentemente.
Isto está escrito na contracapa de um volume de umas colecções de contos obscuras (Ficções) e é das coisas mais bonitas que li recentemente.
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olhem olhem tenho tão bom gosto cultural
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